“Precisamos de editais que promovam, de fato, a descentralização dos recursos e a democratização do acesso a eles. Principalmente, os grupos em maior vulnerabilidade, recebendo os recursos e executando seus projetos. É fundamental que possamos acessar para fazer girar a economia cultural dentro dos nossos territórios”, destaca Jusianne Castilho, idealizadora do projeto Festival OndaNegra, contemplado pela Lei Paulo Gustavo e realizado em Ceilândia, periferia do Distrito Federal.
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Segundo ela, são importantes leis e editais que realmente descentralizem recursos e promovam o acesso direto de grupos vulneráveis, especialmente nas periferias, com o objetivo de fortalecer a economia da cultura.
Com o protagonismo feminino, a segunda edição do evento foi realizada presencialmente em novembro. A iniciativa tem como objetivo fortalecer e dar visibilidade a artistas e produtores negros e periféricos da região, sobretudo as mulheres. A primeira edição ocorreu no formato online, durante a pandemia de Covid-19.
“Nela, tivemos o foco voltado para a potencialização de mulheres negras, desde as apresentações até a equipe envolvida na produção do evento. Mulheres negras fizeram este evento acontecer. Além das intérpretes, monitores de acessibilidade, audiodescritores e de toda a equipe de produção que esteve envolvida”, disse Jusianne Castilho, ao falar sobre o diferencial do festival.
As apresentações musicais contaram com o Afoxé Xangô Biyi, filho da casa Ijo Ogi; a rapper e moradora de Ceilândia Júlia Nara; a cantora cubana Dya Valdes, que vem de uma família de músicos renomados em Cuba; a cantora Negra Eve, destaque no cenário reggae da capital e da base ao topo das sessões de soundsystem, que também participou da primeira edição; a rapper Thabata Lorena, que veio de São Paulo para felicitar o público com sua presença; e as Margaridas, irmãs cantoras, compositoras e musicistas. Além disso, o evento contou com as MCs Bruna Paz e Sarah Benedita e os DJs J4K3 e Beatmilla.
O projeto é exemplo do sucesso na capital brasileira, ente que mais executou os recursos da LPG, com percentual de 92,13%. Pablo Santos, coordenador do escritório do MinC no DF, afirma que a política pública, visa mitigar os impactos da pandemia no setor cultural, chegou em um momento fundamental para quem vive da cultura.
“O Ministério da Cultura tem trabalhado para garantir que os recursos cheguem aos agentes culturais, fortalecendo a economia criativa e valorizando a diversidade artística da região. É importante lembrar que o MinC foi desmantelado no governo anterior, deixando um cenário desolador. Temos ainda muito a fazer para revitalizar o setor cultural nos próximos anos”, destacou.
Ele complementa que a Lei, no DF, contemplou uma diversidade de ações culturais com propostas descentralizadas, abrangendo projetos que alcançam as periferias da cidade por meio de festivais, oficinas de audiovisual e de dança, como o Festival.
Cultura na periferia
Goiás não é diferente. Segundo na região em termos de utilização dos recursos, é palco do Favera Festival de cinema e cultura e o Cine Favera Itinerante.
O Festival é realizado desde 2014 em uma das maiores periferias de Goiânia. Os recursos da LPG possibilitaram a complementação da 10ª edição, entre fevereiro e maio, e a realização integral da 11ª edição, em agosto. As duas edições movimentaram a região oeste de Goiânia, com ações em 19 escolas e instituições, um ponto de cultura e uma praça pública.
Além de mostras de filmes, oficinas formativas, laboratório de projetos, atividades musicais, teatrais e batalhas de rimas, foram realizadas oficinas de formação e produção em 19 escolas e no Centro de Atendimento Socioeducativo da região. Foram produzidos também 25 curtas, disponíveis no YouTube do Festival.
Todos os filmes, realizados pelos próprios alunos, têm interpretação em Libras e compõem a mostra escolar exibida na iniciativa e em escolas. Já no Cine Favera Itinerante, o valor de R$ 200 mil possibilitou levar os filmes do festival para escolas, cineclubes e outras cidades de Goiás.
“A Lei foi importante para fomentar a realização dos projetos e proporcionar essas experiências para a comunidade. Levamos os equipamentos e os filmes e realizamos, gratuitamente, as sessões. Isso conecta o Favera a outros locais e dá oportunidade para mais e mais pessoas”, relatou Raphael Gustavo, um dos coordenadores.
A secretária de Cultura do Estado de Goiás, Yara Nunes, comemora a execução da Lei Paulo Gustavo. Para ela, foi um grande desafio, mas contou com uma equipe técnica qualificada que se preparou e conseguiu operacionalizar cada etapa dos editais com precisão.
“Também ouvimos os trabalhadores da cultura via audiência pública e mantivemos o diálogo aberto durante todo o processo. Isso garantiu a agilidade na liberação de recursos e colocou Goiás sempre nos primeiros lugares do país no ranking de execução da LPG”, destacou.
Cinema Itinerante
Outro exemplo de projeto que impactou o Centro-Oeste é o TransCine – Cinema em Trânsito, de Mato Grosso do Sul (MS). O investimento foi essencial para sua implementação, proporcionando momentos de entretenimento e cultura para a comunidade de Campo Grande. Em maio, o projeto Circula CG realizou exibições gratuitas de filmes em diversos locais da cidade.
As sessões ocorreram em bairros periféricos, com cerca de 50 minutos de duração cada, exibindo produções locais, como As Invenções de Akins, de Ulísver Silva; A Menina e a Árvore, de Ara Martins; Cinzas do Pantanal, de Mariana Marques; O Kunumi e o Curupira, de Tatiana Varela; e Criação do Homem e da Mulher, de Fabiana Fernandes e Tatiana Varela.
“Levar a experiência do cinema diretamente para a comunidade de Campo Grande é muito importante para nosso cineclube. É o que fazemos desde o início, há 12 anos. Queremos proporcionar momentos de diversão e reflexão através dos filmes que exibimos, promovendo a integração e o acesso à cultura, mostrando que aqui em MS também temos cinema”, reflete Mariana Sena, produtora audiovisual e idealizadora do TransCine – Cinema em Trânsito.
Povos Originários
Com o apoio da Lei Paulo Gustavo, o documentário Araguaia Território Indígena: A Preparação Xavante estreia em Barra do Garças, no estado de Mato Grosso. No próximo dia 10 de dezembro, às 20h, o Anfiteatro Fernando Peres de Farias será palco da primeira exibição do documentário, que foi gravado na Aldeia Nossa Senhora de Guadalupe, na Terra Indígena São Marcos.
A obra destaca a coletividade como elemento central da organização cultural Xavante e explora os rituais e suas implicações na formação dos jovens da aldeia. O filme também traz depoimentos de Sheila Juruna, filha do líder indígena Mário Juruna, conectando o passado ancestral à preservação da cultura Xavante.
“A produção, realizada com financiamento da Lei Paulo Gustavo, é um marco na valorização da cultura indígena e promete oferecer uma experiência imersiva ao público. Com 25 minutos de duração, o documentário mergulha nos rituais ancestrais do povo Xavante, como a preparação para o ritual Oi’ó e a tradicional corrida de toras de buriti (Uiwédé)”, explica o professor indígena Xisto Tserenhi’ru Tserenhimirami, idealizador e diretor do projeto.
A obra foi o primeiro lugar no edital Barra Curtas, promovido pela Secretaria de Cultura de Barra do Garças, e além disso, a Lei possibilitou a aprovação de outros episódios da série documental, e contará com alguns sobre a trajetória de Mário Juruna, o primeiro deputado federal indígena do Brasil.
Segundo o idealizador, a Paulo Gustavo foi essencial para a realização do projeto. “Sem o apoio da Lei, dificilmente projetos como este teriam recursos para existir. É uma garantia de que nossas memórias e lutas sejam reconhecidas e perpetuadas. Além disso, o documentário fortalece a valorização das nossas tradições e cria um espaço de diálogo, promovendo respeito à diversidade cultural, essencial para uma sociedade mais justa e inclusiva”, pontuou.
Ele acrescentou que, além de incentivar a produção audiovisual, ela é uma garantia de que as memórias e lutas sejam reconhecidas e perpetuadas.
“O documentário tem um impacto profundo na nossa região, porque fortalece a valorização das nossas tradições e dá visibilidade à riqueza cultural do povo Xavante. É uma oportunidade de mostrar para as novas gerações, tanto indígenas quanto não indígenas, a importância de preservar nossos rituais e a conexão sagrada que temos com a natureza”, finalizou o professor.
Com direção de fotografia e edição de Tom Saldanha e roteiro, direção de arte e produção executiva de Nayanne Carmo, Araguaia Território Indígena: A Preparação Xavante é um convite à reflexão sobre a força da ancestralidade e da identidade Xavante em tempos de mudanças culturais e sociais.
LPG no Centro-Oeste
De acordo com o Painel de Dados da LPG, disponibilizado pelo Ministério da Cultura, a região recebeu um total de R$ 298,3 milhões, tendo executado um total de 78,59% dos recursos.
Entre os estados, considerando os valores recebidos por esses e seus municípios, o Distrito Federal recebeu R$ 48 milhões e lidera o ranking de execução, com 92,13%, seguido por Goiás, que recebeu R$ 131 milhões e executou 87,33%; Mato Grosso do Sul utilizou 74,85% dos R$ 52 milhões destinados ao estados e aos municípios; enquanto Mato Grosso executou 55,08% dos R$ 66 milhões recebidos.
Para Roberta Martins, secretária dos Comitês de Cultura, os bons índices mostram como o fomento público é essencial para democratizar o acesso aos projetos culturais. “Eles possuem uma riqueza cultural extraordinária, mas ainda enfrentam desafios de visibilidade. Investir nessas iniciativas é garantir que as expressões locais floresçam e alcancem novos públicos, fortalecendo a diversidade cultural do país”, afirmou.
Já Teresa Oliveira, diretora de Fomento Direto da Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (SEFIC), destacou a importância de uma política federalizada de fomento. “Os recursos atendem a todas as regiões do país, em todos os estados e praticamente todos os municípios, valorizando a cultura local e ampliando o acesso da população a essas experiências”, disse.
Ao todo, mais de R$3,8 bilhões foram destinados a projetos culturais por todo o Brasil, representando o maior investimento já realizado no setor cultural. Estados e municípios têm até 31 de dezembro para concluir a execução dos valores recebidos pela LPG.