Neste sábado, dia 11 de janeiro, completam-se dois anos do estouro do escândalo bilionário das Americanas (AMER3). Quando comunicou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) as inconsistências contábeis, no valor de R$ 20 bilhões, a história de uma das maiores varejistas do país desandou.
Quer ficar bem informado em tempo real? Entre no nosso grupo e receba todas as noticias (ACESSE AQUI).
A revelação da maior fraude contábil da história brasileira fez os preços das ações derreterem, acumulando uma queda de 99,52% desde o começo de 2023 até agora, segundo cálculos da consultoria Elos Ayta. O caso deixou credores, fornecedores e acionistas incrédulos e abriu espaço para uma série de discussões sobre as regras do mercado de capitais, especialmente por parte dos minoritários.
A situação foi tão insólita que, no dia do comunicado, os executivos que tinham acabado de chegar para comandar a empresa, Sergio Rial, como CEO, e André Covre, como CFO, desistiram e pularam fora do barco.
E não deu outra. No dia seguinte, as ações despencaram 77%, passando de R$ 12 para R$ 2,72, fazendo a empresa perder R$ 8,34 bilhões de valor de mercado. A percepção geral era de que a companhia enfrentaria muitas dificuldades por conta do rombo. Para segurar a sangria, no dia 19 de janeiro, a varejista entrou com pedido de recuperação judicial, sendo excluída de 14 índices da B3. No dia 20, a ação chegou a R$ 0,79, virando uma penny stock.
Direitos dos investidores
Passados dois anos do anúncio dessa fraude, os minoritários cobram soluções e dizem que até o momento nenhuma medida foi tomada para punir efetivamente os responsáveis, muito menos para ressarcir os prejuízos de quem apostou na empresa.
Prejudicados, eles reclamam da falta de transparência no processo de apuração e de medidas efetivas para que práticas deste tipo sejam coibidas no futuro e que os culpados sejam condenados.
Leia mais: A fortuna “evaporada” do maior acionista minoritário da Americanas
“Apesar das investigações de vários órgãos, ninguém foi punido. Nesse tempo todo a companhia continuou falando que também foi vítima. Até quem tinha poder de comando se coloca como vítima. Mas hoje, olhando com mais distância, vemos que seria difícil que eles tenham sido vítimas”, afirmou Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, associação criada em 2007 para defesa de investidores, promoção de governança, articulação de acionistas minoritários, e responsável pelo processo de arbitragem contra a Americanas.
Para ele, além de não serem punidos, os controladores aumentaram seu poder ao diluir as ações e ampliar o capital social. “Com isso, eles aumentaram seu patrimônio e o poder de voto, que antes era de 44% do capital para os atuais 50%. Os bancos reclamaram, mas fizeram acordo e receberam ações em troca. Os únicos que perderam foram os minoritários e os fornecedores, que já tinham um prazo de pagamento absurdo”, acrescenta.
Na última assembleia, no final do ano passado, depois da diluição, a empresa conseguiu aprovar o processo contra alguns dos ex-diretores, isentando a Americanas e seus controladores. “Mesmo a fraude tendo sido sistêmica e se desenvolvido por cerca de uma década, não foi notada pelo Controle Interno, Conselho Fiscal, Conselho de Administração e Auditores Externos”, acrescenta Silva.
Diante disso, ele só espera que as arbitragens que estão em curso possam levar a alguma punição a quem provocou tudo. “A gestão dos recursos alheios impõe deveres fiduciários dos controladores em relação aos demais acionistas que devem zelar por estes valores, o que não aconteceu no caso”, afirma Silva.
Como está o caso
As decisões da CVM, da B3, do Ministério Público Federal e mesmo da Assembleia das Americanas em processar alguns dos ex-diretores, não afetarão, o pleito dos minoritários, segundo o presidente do Instituto Empresa, que por força de cláusula do Estatuto só podem pleitear indenização por meio de arbitragem.
“O pedido dos minoritários não se refere a desvalorização das ações, pois quem investe sabe dos riscos envolvidos, mas visa esclarecer as informações que a companhia enviava ao mercado, manipulada e distorcida, gerando decisões de compra que precisam ter sua nulidade reconhecida. Esse atraso das respostas de todos os envolvidos é o grande problema”, explica Silva, acrescentando que mesmo que a CVM chegue a um julgamento severo ele será ‘meramente administrativo”.
Desde novembro de 2023, a Americanas foi retirada do Novo Mercado, segmento destinado à negociação de ações de empresas que adotam práticas de governança corporativa adicionais às da legislação voluntariamente. A companhia descumpriu várias das exigências impostas pela B3, mas a bolsa ainda não determinou uma data para corrigir as irregularidades.
“A B3 não estipulou um prazo para que a Americanas cumprisse as determinações. Porém, o artigo 59 do Regulamento dispõe que, em caso de descumprimento das obrigações regulamentares por um período superior a nove meses, deverá ser imposta sanção de saída compulsória do Novo Mercado, mediante realização de uma oferta pública de aquisição de ações”, explica o advogado Luís Fernando Guerrero, do Escritório Lobo de Rizzo, que representa o Instituto.
A B3 decidiu pela responsabilização de vários membros do Board das Americanas, incluindo sócios e familiares do Grupo 3G. Mas as decisões definitivas, após recurso, ainda não foram tornadas públicas. Já a CVM acaba de anunciar que absolveu o ex-presidente da Americanas, Sergio Rial, das acusações relacionadas à divulgação de informações após descoberta de rombo contábil e que condenou João Guerra, que assumiu como CEO interino logo após a renúncia de Rial.
A autarquia também concluiu o Inquérito Administrativo, relacionado ao uso de informação privilegiada na negociação de ativos de emissão por diretores e funcionários da Americanas antes da divulgação das “inconsistências contábeis” por meio do Fato Relevante em 11/1/2023. A decisão foi considerada importante para que, posteriormente, o Ministério Público Federal (MPF) inicie a ação penal pelo crime de insider trading, conforme o advogado.
Para Silva, o grande problema no caso da Americanas é que quando o balanço é publicado ele já passou por tanta gente, diretores, controles internos, administração, consultorias externas, que fica praticamente certo e atestado por muitas instâncias que aquilo é confiável. “Se tinham impropriedades, todo o sistema de controle e governança fica sob suspeita. E o mercado precisa de uma satisfação, para que não ocorram mais casos como o da Americanas e do IRB”, disse.
O pedido de arbitragem, processo considerado caro e complicado, envolve valores de R$ 32 bilhões. Neste tipo de processo, leva em média 36 meses, ou seja, muito menos que pelas vias judiciais.
Ao todo 500 minoritários estão nessa ação. No total, o valor efetivo da dívida da Americanas chegava a R$ 40 bilhões e foi reduzida para cerca de R$ 10 bilhões após as negociações dentro da recuperação judicial.
“Havendo uma condenação pela arbitragem a decisão vai para a sanção do judiciário”, disse Silva, acrescentando que o grupo vai trabalhar também nas instâncias nos Estados Unidos, onde a empresa tinha emitido papeis de dívida, os chamados Bonds.
O que diz a empresa
Em resposta ao InfoMoney, a Americanas afirmou em nota que segue cumprindo o Plano de Recuperação Judicial (PRJ). Com a capitalização e os pagamentos da maior parte dos credores do PRJ, a companhia eliminou quase a totalidade das dívidas concursais, endereçando a estrutura de capital e revertendo o patrimônio líquido para o patamar positivo de R$ 5,7 bilhões.
Em 2025, a Americanas diz que pretende continuar fortalecendo a eficiência comercial, operacional e financeira. Para isso, já tem projetos de modulação de lojas, precificação e reestruturação da logística.
Outra frente que a empresa quer avançar é o digital a ,partir de um novo desenho para o marketplace, com ancoragem de lojas de grandes indústrias na plataforma e ampliação do O2O (Online to Offline), estratégia que integra canais virtuais e físicos para proporcionar uma experiência de compra mais completa.
Em relação aos desdobramentos das investigações, a Americanas explica que “continuará em sua conduta responsável e diligente na divulgação de informações e seguindo as determinações da Justiça e das autoridades que conduzem o caso. A empresa é a maior interessada no esclarecimento dos fatos e na responsabilização civil e criminal de todos os envolvidos.”
A companhia também lembra que as negociações para a construção do Plano de Recuperação Judicial foram feitas para chegar à melhor solução possível para todas as partes, sendo o mesmo aprovado com sucesso no final de 2023 com mais de 97% de aprovação dos credores.
Abalo de confiança no mercado
Especializado em direito empresarial e sócio do sócio do NHM Advogados, Mário Nogueira, afirma que o direito brasileiro garante aos minoritários, na medida em que se sintam prejudicados, pleitear o ressarcimento de seus prejuízos, seja pela via judicial, seja por uma arbitragem. Ao se unirem os custos de uma arbitragem seriam divididos entre todos os autores.
“Além disso, as investigações feitas pela CVM, B3, Ministério Público Federal ou quaisquer outras poderão ser utilizadas pelos minoritários em seus eventuais processos arbitrais, o que poderá torná-los mais baratos e mais rápidos, pois parte das provas já estará pronta”, afirma.
Mas, na opinião de Nogueira, está na hora de se criar no Brasil a mentalidade de responsabilidade dos controladores por questões relativas a abuso e outros desvios do poder.
“Isso já é uma prática comum em países com um mercado mais consolidado. Talvez fosse o caso de se introduzir na legislação brasileira o conceito das class actions norte-americano, ou seja, uma ação coletiva por todas as partes que tenham sido prejudicadas por determinado fato ou ação de terceiro. Isso reduziria os custos individuais para os eventuais prejudicados, bem como aceleraria o processo de indenização de tais partes”, afirma.
Para Eduardo Brasil, advogado societário e sócio do Fonseca Brasil, esse caso só evidenciou que há uma falha significativa nos mecanismos de governança e controle corporativo no Brasil. “Sem ações punitivas e compensatórias imediatas, a confiança no mercado de capitais pode ser prejudicada. A falta de responsabilização pode levar a um ambiente de negócios onde práticas fraudulentas não são devidamente reprimidas”, afirma.
Em sua opinião, os acionistas minoritários estão em uma posição desvantajosa, porque, com a diluição de suas ações após a ampliação do capital social, diminuíram sua influência e poder de voto, limitando ainda mais sua capacidade de influência na companhia. “A situação é agravada pela cláusula estatutária exigindo arbitragem para reivindicações de indenização, o que muitas vezes é uma barreira devido aos altos custos e complexidades envolvidas”, explica.
O caso, segundo ele, é um alerta para a necessidade de reformas no mercado de capitais brasileiro. O advogado sugere que medidas proativas devem ser implementadas para evitar que situações semelhantes se repitam. “A proteção dos minoritários não deve ser vista apenas como uma obrigação legal, mas também como um pilar essencial para a saúde e a eficiência do mercado”, acrescenta Eduardo Brasil.
Advogado cita os pontos necessários para que haja um avanço:
– Transparência e Comunicação: As autoridades devem melhorar a comunicação sobre o progresso das investigações e qualquer ação tomada.
– Revisão Regulatória: É crucial rever as práticas de governança corporativa para impedir futuras fraudes e proteger os acionistas minoritários.
– Arbitragem Acessível: Tornar o processo de arbitragem mais acessível e menos oneroso, garantindo que os minoritários tenham uma via realista para buscar compensações.